As notícias sobre pedofilia, envolvendo membros do clero,
difundiram-se de modo insistente. Tristes fatos,
infelizmente, existiram no passado e existem no presente;
não preciso discorrer sobre as cenas escabrosas de
Arapiraca... A Igreja vive dias difíceis, em que aparece
exposto o seu lado humano mais frágil e necessitado de
conversão. De Jesus aprendemos: “Ai daqueles que
escandalizam um desses pequeninos!” E de S.Paulo ouvimos:
“Não foi isso que aprendestes de Cristo”.
As palavras dirigidas pelo papa Bento XVI aos católicos
da Irlanda servem também para os católicos do Brasil e de
qualquer outro país, especialmente aquelas dirigidas às
vítimas de abusos e aos seus abusadores. Dizer que é
lamentável, deplorável, vergonhoso, é pouco! Em nenhum
catecismo, livro de orientação religiosa, moral ou
comportamental da Igreja isso jamais foi aprovado ou
ensinado! Além do dano causado às vítimas, é imenso o
dano à própria Igreja.
O mundo tem razão de esperar da Igreja notícias melhores:
Dos padres, religiosos e de todos os cristãos, conforme a
recomendação de Jesus a seus discípulos: “Brilhe a vossa
luz diante dos homens, para que eles, vendo vossas boas
obras, glorifiquem o Pai que está nos céus!” Inútil,
divagar com teorias doutas sobre as influências da
mentalidade moral permissiva sobre os comportamentos
individuais, até em ambientes eclesiásticos; talvez
conseguiríamos compreender melhor por que as coisas
acontecem, mas ainda nada teríamos mudado.
Há quem logo tem a solução, sempre pronta à espera de
aplicação: É só acabar com o celibato dos padres, que
tudo se resolve! Ora, será que o problema tem a ver
somente com celibatários? E ficaria bem jogar nos braços
da mulher um homem com taras desenfreadas, que também
para os casados fazem desonra? Mulher nenhuma merece
isso! E ninguém creia que esse seja um problema somente
de padres: A maioria absoluta dos abusos sexuais de
crianças acontece debaixo do teto familiar e no círculo
do parentesco. O problema é bem mais amplo!
Ouso recordar algo que pode escandalizar a alguns até
mais que a própria pedofilia: É preciso valorizar
novamente os mandamentos da Lei de Deus, que recomendam
atitudes e comportamentos castos, de acordo com o próprio
estado de vida. Não me refiro a tabus ou repressões
“castradoras”, mas apenas a comportamentos dignos e
respeitosos em relação à sexualidade. Tanto em relação
aos outros, como a si próprio. Que outra solução
teríamos? Talvez o vale tudo e o “libera geral”,
aceitando e até recomendando como “normais”
comportamentos aberrantes e inomináveis, como esses que
agora se condenam?
As notícias tristes desses dias ajudarão a Igreja a se
purificar e a ficar muito mais atenta à formação do seu
clero. Esta orientação foi dada há mais tempo pelo papa
Bento XVI, quando ainda era Prefeito da Congregação para
a Doutrina da Fé. Por isso mesmo, considero inaceitável e
injusto que se pretenda agora responsabilizar
pessoalmente o papa pelo que acontece. Além de ser
ridículo e fora da realidade, é uma forma oportunista de
jogar no descrédito toda a Igreja católica. Deve
responder pelos seus atos perante Deus e a sociedade quem
os praticou. Como disse S.Paulo: Examine-se cada um a si
mesmo. E quem estiver de pé, cuide para não cair!
A Igreja é como um grande corpo; quando um membro está
doente, todo o corpo sofre. O bom é que os membros
sadios, graças a Deus, são a imensa maioria! Também do
clero! Por isso, ela será capaz de se refazer dos seus
males, para dedicar o melhor de suas energias à Boa
Notícia: para confortar os doentes, visitar os presos nas
cadeias, dar atenção aos abandonados nas ruas e debaixo
dos viadutos; para ser solidária com os pobres das
periferias urbanas, das favelas e cortiços; ela
continuará ao lado dos drogados e das vítimas do comércio
de morte, dos aidéticos e de todo tipo de chagados; e
continuará a acolher nos Cotolengos criaturas rejeitadas
pelos “controles de qualidade” estéticos aplicados ao ser
humano; a suscitar pessoas, como Dom Luciano e Dra. Zilda
Arns, para dedicarem a vida ao cuidado de crianças e
adolescentes em situação de risco; e, a exemplo de Madre
Teresa de Calcutá, ainda irá recolher nos lixões pessoas
caídas e rejeitadas, para lavar suas feridas e
permitir-lhes morrer com dignidade, sobre um lençol
limpo, cercadas de carinho. Continuará a mover milhares
de iniciativas de solidariedade em momentos de
catástrofes, como no Haiti; a estar com os índios e
camponeses desprotegidos, mesmo quando também seus padres
e freiras acabam assassinados.
E continuará a clamar por justiça social, a denunciar o
egoísmo que se fecha às necessidades do próximo; ainda
defenderá a dignidade do ser humano contra toda forma de
desrespeito e agressão; e não deixará de afirmar que o
aborto intencional é um ato imoral, como o assassinato, a
matança nas guerras, os atentados e genocídios. E sempre
anunciará que a dignidade humana também requer
comportamentos dignos e conformes à natureza, também na
esfera sexual; e que a Lei de Deus não foi abolida, pois
está gravada de maneira indelével na coração e na
consciência de cada um.
Mas ela o fará com toda humildade, falando em primeiro
lugar para si mesma, bem sabendo que é santa pelo Santo
que a habita, e pecadora em cada um de seus membros;
todos são chamados à conversão constante e à santidade de
vida. Não falará a partir de seus próprios méritos,
consciente de trazer um tesouro em vasos de barro; mas,
consciente também de que, apesar do barro, o tesouro é
precioso; e quer compartilhá-lo com toda a humanidade.
Esta é sua fraqueza e sua grandeza!
Fonte: Card. Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo - SP